sábado, outubro 1

Projeto "O que está aqui..." Eixo 1 - A infância e o sexo

Texto de Yuri Kotke

Durante o projeto "O que está aqui está em todo lugar, o que não está aqui está em lugar nenhum" foram desenvolvidos três eixos diferentes para se investigar a questão da sexualidade: A sexualidade infantil e o reconhecimento do corpo, eixo trabalhado por Ramilla Souza, o corpo obsceno , trangressivo e excessivo, desenvolvido por Jota Mombaça, e o fetiche cotidiano, o corpo sexuado comum e explorado como objeto, performado por Paulo Welbson.

Serão feitos 3 posts, um para cada eixo trabalhado. Nesse iremos falar da Infância e sua relação com a sexualidade na performance performada por Ramilla Souza.

Após algum tempo de laboratório para desenvolver os temas centrais das performances, estudamos os conceitos de Tema Erótico Central (Core Erotic Theme) de Jack Morin e os três reinos da experiência sexual, de David Schnarch. A exploração desses conceitos nos levou, através de algumas vivências e exercícios baseados no NeoTantra, aos núcleos a partir dos quais as ações se desenvolveriam.


As epifanias criativas que surgiram durante o processo apontaram para o reconhecimento da criança como ser sexuado, sensível, embor ainda desprovido de vontade, de ação sobre o mundo. O corpo da criança não é seu, é dos pais, da sociedade que a educa e que, por vezes, abusa dela.

A perspectiva de se performar a sexualidade infantil (e, de forma concomitante, a infantilidade da sexualidade) trouxe um pouco de incômodo à minha pessoa de encenador, ao pensar nos possíveis desdobramentos que esse tema poderia despertar. Mas, ao mesmo tempo, o estudo de um tema que é tabu mesmo por aqueles que pesquisam e ensinam sobre a sexualidade me interessava. Isso também despertava questões óbvias, mas sutis: Por que temos dificuldade de conceber a sexualidade da criança de forma conceitual? Por que a experiência sexual da infância não é tratada com mais profundidade na educação? Por quê há um interdito quando se fala de sexualidade infantil? Mesmo com a suposta revolução sexual, ainda há uma série de tabus específicos e razoavelmente globais (se é que ainda se pode usar essa palavra) em relação à sexualidade.

Se formos falar de todos os fragmentos aqui, o texto ficará muito longo, então me aterei aqui a apenas um dos fragmentos de cada eixo, por enquanto.

Ao desenvolver as performances, buscamos entender, de forma somática 1, como se dá o processo de reconhecimento do corpo sexuado da criança, e performar isso em uma "cena". A partir dessa perspectiva, surgiu o primeiro fragmento performático no qual a performer se senta nua em um espaço branco e cada espectador é convidado, um de cada vez, a adentrar o espaço segurando uma foto da performer quando criança. 

A performer pede que o espectador a toque em uma parte específica e a reconheça. Esse reconhecimento em conjunto com o espectador é desenvolvido de forma a construir uma noção de corpo e de sexualidade que existe no entre, no toque e no reconhecimento do outro através da sensação, embora essa sensação esteja permeada de conceitos anteriores e outros processos imagéticos de auto-definição. O objetivo é justamente operar essa mudança, essa ressignificação do próprio corpo enquanto imagem.

1O termo somático é aqui retirado da leitura de Thomas Hanna, criador da Educação Somática, educação neuromotora que tem efeitos terapêuticos. O conceito de soma analisa o indivíduo a partir da experiência interior da vida, ao invés da visão corrente que se tem nas ciências biológicas, especialmente a medicina, que enxerga o corpo como um objeto.

Publicado originalmente no blog do Coletivo ES3 

Foto: Rodrigo Sena

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