segunda-feira, março 26

"Arte como confissão", entrevista para a Revista Catorze

Antes da apresentação na Casa da Ribeira (sobre a qual eu falarei nos posts a seguir), eu dei essa entrevista para o Beto Leite, da Revista Catorze. Gostei muito do formato que ele propôs e, sobretudo, do espaço aberto para que eu possa falar, efetivamente sobre o trabalho. Tenho meu pé atrás com jornalismo cultural, sobretudo em Natal. Apesar disso, uns dias depois eu também dei umas entrevista para o Diário de Natal, no mesmo formato e também com perguntas que me permitiam falar sobre o trabalho artístico sem interpretações superficiais de jornalista. Coisas bacanas acontecendo em função dessa apresentação. 

ARTE COMO CONFISSÃO, ENTREVISTA COM RAMILLA SOUZA


É comum ver os coleguinhas do curso de jornalismo ir fazer outra coisa da vida. Seja em busca de salários melhores do que a miséria paga nas redações, ou na busca de outras válvulas de escape para anseios que as fronteiras do ofício noticioso não comportam. A Ramilla Souza é um exemplo disso. Aprovada no edital Cena Aberta, vai apresentar a performance “Retratos:  escolha de uma memória de infância” no próximo domingo, 25, às 20h, na Casa da Ribeira. O trabalho é fruto de pesquisa em desenvolvimento iniciada há cerca de dois anos sobre memória, intimidade e confissão.
Como eu sei que ela sabe dar boas respostas, fiz essa entrevista. Se divirta leitor.

Quer dizer que você abandonou o jornalismo e virou artista para ganhar dinheiro?
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!!!
Seu trabalho fala sobre a infância e memórias. Quem for dia 25 vai ver muita coisa fofinha, lindinha e guti-guti?
Claro que não. Minhas memórias são podres.
Esse lance de se expor histórias e memórias intimas é bem corajoso. As reações do público devem ser das mais diversas. As pessoas geralmente se identificam, sentem repulsa ou elas se comportam como nerds débil-mentais em busca de pornografia?
Eu realizei três trabalhos do gênero. O primeiro foi a performance Abuse(me), apresentada em 2010. Nela, eu pedia para as pessoas escreverem no meu corpo o nome da pessoa que mais tinha abusado delas. Enquanto isso, realizava diversos movimentos de queda, chorava, me machucava… Todo mundo ficava numa sala comigo, quase no escuro, dividindo aquele momento. Foi uma experiência bem marcante pra mim e também minha primeira performance. O que mais me surpreendeu na relação com o público foi o silêncio depois. Pouquíssimas pessoas vieram falar comigo sobre o que elas tinha achado, sentido. Era como se tivesse sido uma experiência em que todo mundo passou incólume, enquanto pra mim foi extremamente forte.  Daí, eu comecei a perceber que o público fala pouco sobre aquilo que ele não consegue entender ou absorver direito. Posso estar sendo pretensiosa, mas é a impressão que eu tenho. Nessa performance, eu já começava a trabalhar com uma ideia de exposição, que veio a se repetir mais tarde nos meus outros trabalhos.
O segundo trabalho foi a instalação “A sinceridade pode deixar marcas maiores”, de 2011. Nela, eu fazia diversas confissões pessoais e as deixava expostas para as pessoas verem. Tive mais retorno com ela, mas ainda assim, pouco.
Então, basicamente o que eu tenho lidado em relação ao público não é repulsa ou identificação, mas uma espécie de indiferença, um silêncio. Eu não sei se por o trabalho não ter causado efeito ou por as pessoas não saberem falar sobre o que viram.
A minha terceira obra do gênero já foi a performance “Retratos: escolha de uma memória de infância”, na qual eu tento mais ainda do que nos trabalhos anteriores criar uma relação de exposição e intimidade com o público. E essa relação é diferente da que eu tive com a instalação, claro, porque eu estou presente ali, olhando cada pessoa no olho.
Nunca tive ninguém que se comportasse como nerds débil-mentais. Talvez, porque eu só tenha apresentado em ambiente para “iniciados” ou porque meu trabalho tem mais uma atmosfera de intimidade do que de pornografia. Mas, já vi algumas pessoas virarem macacos alvoroçados em performances de amigos que lidavam com sexualidade.

O cartaz que eu fiz para a Ramila
Esse seu trabalho é oriundo do “O que está aqui está em todo lugar, o que não está aqui está em lugar nenhum” que estreou no Bodearte de 2011. O que ficou daquele processo? Para quem já viu, vai ter algo de novo?
Contextualizando: “O que está aqui está em todo lugar, o que não está aqui está em lugar nenhum” foi uma encenação em performance coordenada por Yuri Kotke e que teve como performers eu, Jota Mombaça e Paulo Welbson. A gente apresentou as três performances juntas no Bodearte ano passado. Como resultado do processo, a minha performance e a do Jota ganharam vida própria. Em seguida, aprovei ela no Projeto Cena Aberta, para o qual faço a apresentação do dia 25.
Já na primeira apresentação, eu tentei criar uma proximidade maior com o público. Recebendo cada pessoa, sozinha e estabelecendo uma relação com a mesma. Na época, isso funcionou como um teste e eu gostei muito do resultado. Na verdade, fiquei pensando que esse era o principal motivo de eu trabalhar com performance arte: a possibilidade de ter esse encontro com outras pessoas, mais intenso, que é difícil acontecer em outra ocasião.
Então, esse é um elemento que eu fortaleci pra segunda apresentação de Retratos. E a questão da proximidade passou a ter uma importância maior no meu trabalho. Não sei se ela continuará a ter essa importância depois da apresentação, mas é um tema sobre o qual eu tenho pensando, o da arte como confissão, como meio para estabelecer uma relação com o outro.
Também havia a questão da dança, que eu utilizei antes. É outra coisa que tenho a pretensão de pesquisar. A construção de uma dança nascida a partir do meu corpo, que não necessariamente um “corpo de dança” ou preparado pela dança. Meu treinamento físico, por exemplo, é feito nas aulas de Kung Fu e não em aulas de dança. Claro que esse tema não é novidade, muita gente já pesquisa isso.
Esse é um elemento que também estará presente nesta apresentação. Acho que não tive tempo de desenvolvê-lo do jeito que queria, mas, ainda assim, é algo que será visto.
Ah, também tem o fato de que no “O que está aqui está em todo lugar, o que não está aqui está em lugar nenhum” a pesquisa tinha como base a sexualidade que, no meu caso, tinha a ver com a relação da criança com isso. Creio que não estou mais partindo exatamente disso. Penso muito mais, hoje, em uma memória do corpo.

Você gostou do cartaz que eu fiz para você?
Vomitei arco-íris.
Esse espaço é destinado a escrever algo legal que faça com que as pessoas saiam de casa da no próximo domingo para ver a sua performance.
Vem gente, vai ter nudez.

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