domingo, julho 24

Estudos sobre Fragmentos de um Discurso Amoroso I: Rapto

Roland Barthes
Gosto de pensar no apaixonamento não como na imagem do amor romântico: arrebatamento, supostamente eterno, de uma pessoa pela outra, cuja função não é nenhuma, além de cumprir certos padrões sociais. A instituição do namoro e suas regras específicas, o casamento e suas características ainda mais duras, nada disso me interessa.

Apaixonar-se, pra mim, passa pela tentativa de conhecer e querer dividir algo com alguém. "Amor é a manifestação da criação de um espaço onde algo tem a permissão de mudar" (Harry Palmer). Eu sempre carrego essa frase como uma espécie de filosofia. No meu amor, eu permito espaços e mudanças, leveza.

A questão do papel social do romance me veio quando criei o Projeto I Love You, em 2010, numa parceria com Juão Nin e Paulo Welbson. O pontapé inicial foi a intenção de lidar com alguns aspectos da minha vida amorosa, passados e ainda incompreensíveis para mim. "O enamorado é um drama", diz Barthes. "O acontecimento, ínfimo, só existe através de sua repercussão, enorme". Foi algo assim que tomou a minha vida por cerca de dois anos. Voltar a esse drama e olhá-lo de longe, explorá-lo, de uma outra forma, era esse objetivo


Além da ideia, eu tinha um material. Um texto meu escrito em 27 de julho de 2008, no auge da loucura. Segue trecho:

Obrigada...

Por ter empurrado essa pedra mais fundo no meu peito. Por ter me expulsado da sua casa. Por ter me deixado ficar mais um pouco quando eu implorei. Por não ter me desprezado quando eu implorei. Por continuar gostando de mim mesmo depois de ter me desprezado. Por me mostrar o caminho do lodo. Por me arrastar até o desespero. Por me amparar no meio do desespero. Por ter me dito: 'Você está só'. Por ter me dito: 'Eu não estou aqui por você'. Por ter estado lá por mim. Por me fazer lembrar que você poderia ir embora se eu pisasse na bola. Por ter me machucado. Por ter deixado meu braço roxo. Por me mostrar a liberdade. Por me mostrar como ser generosa. Por me mostrar as pedras e esconder meus sapatos. Por ter me entendido. Por ter entendido tudo: a minha estupidez, a minha infantilidade, o meu medo extremo. 


E foi assim que nós começamos. Depois do primeiro contato com o texto, eu descobri a dissertação de mestrado da Vitória, atual estudante do doutorado de Ciências Sociais, "De repente do riso fez-se pranto: representações e expressões do amor e do sofrimento amoroso" que me tirou um pouco da minha própria experiência e a contextualizou com um todo social. O amor romântico é bem menos natural do que nós supomos que ele é.

"As pessoas se culpam. Acusam-se umas às outras de não cumprirem promessas. Questionam-se: o que em mim não funciona? Entretanto, essas mesmas pessoas não podem acusar o ideal de amor romântico, concebido como um dos sentimentos mais refinados, belos e sublimes, por ser um ideal, por vezes, falível. Ele, o amor, não pode ser responsável por nossas próprias falhas amorosas. Muitos não podem julgar esse sentimento como sendo algo (às vezes) incompatível com a vida cotidiana das pessoas, podendo ser um ideal causador de infelicidade" (SILVA, Vergas Vitória Andrade)

A partir da dissertação, nós partimos para o Barthes e o seu Fragmentos de um Discurso Amoroso, um dos livros mais lindos que eu já li. Não vou me ater a falar dele aqui porque, senão, o post vai ficar gigante. Durante as pesquisas no livro, nós nos deparamos com a figura do Rapto, ponto de origem para minha segunda performance: "Estudos sobre Fragmentos de um Discurso Amoroso I: Rapto". Ela foi apresentada em conjunto com Juão Nin na 2ª Mostra de Performance Bode Arte, em dezembro de 2010.

Para Barthes, o apaixonamento é uma hipnose. O sujeito é "sacudido, eletrizado, mudado, revirado, torpedeado", abrindo a "ferida do amor". Nós nunca ficamos apaixonados sem o termos desejado e procurado.  [Por isso, hoje em dia, eu tenho plena consciência de querer me apaixonar, muitas vezes, entendendo o que isso traz]. Mas, é preciso que algo dê partida ao processo: um jeito de caminhar, de falar, de ser desajeitado, qualquer coisa. No mundo animal, o que dá essa partida é uma forma, um fetiche colorido.

Sobre a performance:
Nós nos posicionávamos um em frente ao outro e caminhávamos em nossa direção, ao passo que íamos retirando a roupa. Enquanto isso, imagens de animais copulando eram projetadas atrás de nós e em nossos corpos. Quando a gente se encontrava, no fim do caminho, a seguinte frase era projetada:

"Quando acordei, você foi a primeira coisa que vi do lado e, então, eu te chamei de amor".

E essa foi a única ação do Projeto I Love You nesse formato. Tenho toda uma intenção de continuar a estudar o Fragmentos este semestre e montar umas performances em torno da pesquisa. Aguardemos.


Vídeo da projeção

Um comentário:

Helena Di Creddo disse...

Esse livro do Barthes é incrível, adorei o post!