terça-feira, julho 26

Nessas praias a espuma é nobre, mas rara


Por Jean Sartief

Já há alguns anos, passo o mês de janeiro na praia e desde o começo do ano estava dando um tempo de tudo ao meu redor. Fora isso, me perguntava, em meio a caminhadas, o que seria novidade neste 2011 para a cidade e para mim mesmo, lembrando que ainda teremos que suportar Micarla (teremos?) por esses anos.

Claro que este questionamento traz uma ansiedade envolta entre a mesmice que às vezes inunda Natal, as tacanhas ações que surgem das indi(gestões) públicas e o despertar de alguns lançamentos de livros, exposições, blogs, sites e projetos realmente profissionais e legais que afloram durante o ano dentre muitas coisas que precisam melhorar. Mas o amadurecimento segue esse percurso, não é mesmo?

Domingo, 01 de maio, fui ao Circuito Cultural Ribeira e respirei como há tempos não fazia em Natal. Senti esse Circuito em seus vários espaços de ação como o melhor até agora e se Deus quiser, muitos hão de vir!

Entre tudo o que vivi lá, finalmente fui desperto nos meus olhos para a instalação “A sinceridade pode deixar marcas maiores”, de Ramilla Souza, que aconteceu na sede dos Atores à Deriva, com base em frases que nos aludem a desabafos, a confissões e a desejos nem sempre revelados. Ramilla apresentou um consciente/inconsciente sexual que existe baseada no trabalho de Trevor Brown, artista inglês que mora no Japão.


Segundo Ramilla, “é bastante difícil confessar certas coisas, mas completamente gratificante.” Isso se chama atitude frente ao mundo! E essa é a diferença entre expor apenas o belo de fácil compreensão ao ato de rebulir os movimentos internos e despejar significações intensas, sejam controversas ou não. O artista não se faz pelo viés do aplauso apenas. É esse respiro de intensidade em beber em nossas dores que permite uma verdade inigualável através da arte.

Para mim importa muito esse mergulho nas profundezas que ocultamos. E embora muitos venham falar sobre uma questão de ética, valores morais, de justiça, de politicamente correto, de transtornos ou sei lá de quê enrustido na hipocrisia da cidade (como foi a pseudo celeuma sem um debate conceitual em torno da ótima performance de Pedro Costa quando ele retirou um terço do anús, no Salão de Artes Visuais de Natal em 2010),  é  preciso entender que a arte contemporânea existe para questionar os significados das coisas ou mesmo para resignificar os sentidos.   Há o simples fato de que o artista levanta as velas de si mesmo para transformar-se (e ao outro) a partir de seus envolvimentos consigo e com o mundo.

Por isso, antes de tudo, só consigo me sentir tomado pela verdade interna capaz de me fazer crescer o desabar nos meus abismos e no encanto de encontrar realidades alheias que me comovem. Antes de tudo isso, só consigo lembrar-me que silêncio velado só favorece a incompreensão de si e daquele que me olha. É por isso que o mundo anda tão infestado de seres mal resolvidos com sua própria sexualidade, com o lidar com a diferença; repletos de desconfiança e descrédito em si mesmos e no mundo. É a ignorância no sentido de criar discursos e julgamentos estéreis, além das intrigas vazias (corroendo o natural individual que é repleto de singularidade) que tem o efeito de minar potenciais humanos. E quando me deparo com uma artista como Ramilla – investigando seus horizontes internos – que acredito novamente no poder libertador que a arte tem.

*Jean Sartief é artista visual e poeta, poeta e artista visual. Lançou, ano passado, o livro de poemas O mar sou eu.

Texto publicado originalmente na Revista Catorze de Jornalismo Cultural

Leia também o post sobre a instalação

Nenhum comentário: