terça-feira, julho 12

Abuse(me)

Minha primeira performance foi construída no processo do projeto "O que está aqui está em todo lugar, o que não está aqui está em lugar nenhum". Eu queria muito apresentar algo e foi na época em que estava produzindo o Circuito Cultural Baixo de Natal, no qual iria se realizar a segunda mostra de performances Bode Arte, em dezembro de 2010.

Elaborada a oito mãos, não sobrou nenhum registro. Nenhunzinho. De alguma forma, eu não lembrei de pensar nisso no dia (justo eu, a formada em jornalismo). A foto lá embaixo é de quando eu apresentei, em sala de ensaio, a partitura que usei como parte da performance.


Uma descrição básica: Ela consistia em eu, nua, dentro de uma sala, com o público entrando um-a-um. Quando a pessoa entrava na sala, ouvia um trecho do livro 'Um romance sentimental', de Alain Robbe-Grillet, narrado por mim, em um MP3:

"Enquanto Aghate via-se apenas masturbada com arte, até ter longos orgasmos em série, Octavie era chicoteada com selvageria sobre sua delicada xoxota loura, logo toda ensanguentada. Tendo a acusação do réu recebido a calorosa acolhida do público, a presidenta do tribunal pronuncia o veredicto. Depois de Gomorra, será Sodoma: um homem com um membro avantajado vai arrombar a bela bunda de Agathe ferindo-a o máximo possível, enquanto Odile lhe chicoterá os seios até que ela também sangre de maneira razoável".

A última frase da gravação era: "Agora, escreva, em mim, o nome da pessoa que mais abusou de você".

Enquanto isso, eu desenvolvia a ação repetidamente, inserindo os dedos na vagina enquanto direcionava à cabeça para o chão e ia inclinando o corpo. Será que dá pra visualizar? Era como se eu usasse o pubis como um gancho, com o qual me levava até o chão. Basta saber que eu acabava caindo no chão, era isso e acontecia de novo e de novo. Eu só parava quando alguém vinha escrever em mim. O público se mantinha dentro da sala, que era iluminada, apenas, por uns lâmpadas pequenas de led coladas em uma coleirinha que eu usava no pescoço.

No final de tudo, a luz era acendida, e eu pedia para que, cada um dos presentes, lêsse um dos nomes escritos em mim.

Essa foi a primeira ação/trabalho derivado da pesquisa que comecei em 2010, dentro do projeto coordenado por Yuri Kotke. Dentro do campo vasto da sexualidade, minhas intenções sempre se voltaram para a infância, o infante, esse que não tem voz. Na época, mais especificamente, me interessava a questão do abuso infantil e em explorar a linha tênue entre o prazer sexual e a dor.

A performance foi mesmo uma espécie de parto, de dor, mas uma dor diferente, uma dor que se escolhe. A sensação mais forte que eu tive depois de me jogar no chão, deixar pessoas se confessarem no meu corpo, chorar copiosamente e me expor nua, pela última vez, para cada um ali foi a de estar completa, apaziguada. Foi naquele momento que eu decidi que era isso mesmo que eu queria fazer. Que era essa confissão que eu queria. Nenhuma arte na qual eu não possa me expor verdadeiramente me interessa. 

Pensei, ainda, em repetí-la na apresentação com os outros performers do projeto "O que está aqui está em todo lugar, o que não está aqui está em lugar nenhum", mas a pesquisa se encaminhou para outras vias, talvez mais leves, menos sofridas. Acho que, com o tempo, eu passei a ter outro olhar sobre a minha própria infância. É interessante ver como as coisas mudam.

No chão. Foto do processo.
 

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